O mito da Lagosta com preço de Big Mac

Há muito tempo atrás, cerca de vinte e cinco anos atrás mais ou menos, eu trabalhei como ilustrador, onde tive a oportunidade de desenhar para diversas revistas brasileiras. Eu também frequentava grupos e fóruns de discussão de ilustradores e costumava ver uma certa novela  que vou contar aqui. Naquele tempo, era comum grandes revistas (tipo as da Editora Abril) usarem seu poder de compra para pressionar os artistas a venderem um trabalho caro pelo valor que a revista queria pagar – que é o menos possível. Isso mesmo, o cliente que queria dizer o preço do serviço.

É compreensível que o cliente sempre queira pagar o menor valor possível na aquisição de um bem, mesmo sendo uma arte que vai fazer a revista ser melhor e dará condições a ela de atrair mais anunciantes e ganhar mais dinheiro. Mas eu tinha uns amigos também ilustradores, que com o perdão da palavra, ficavam PUTAÇOS com isso.

Na opinião deles, como a revista estava usando o trabalho comissionado de terceiros para agregar valor ao produto dela, era uma bela sacanagem forçar o prestador de serviço a colocar valores irrisórios em trabalhos que levavam dias e dias de trabalho duro, gastando material importado, papel alemão, aquarela do japão e o caramba pra ela se dar bem.

As revistas eram leoninas, isso é, elas batiam pé:

Pago 1/4 do valor que você cobra e nada mais! Se não quiser, rapa fora! Ó, tem fila na porta de moleque querendo botar o nome na nossa revista.

Um cara desesperado, tendo que pagar o leite dos filhos acabava por não ver saída senão se submeter. Graças a isso, a revista fazia uma economia em cima do prestador de serviços. Ela ganhava dos dois lados em cima do desgraçado do ilustrador, que estava sendo oprimido pelo poder de compra da revista.  Num mundo diferente, como o mercado dos EUA, onde havia uma enorme diversificação num mercado bem mais amplo, você dava o fuck you para o editor de arte e ia trabalhar pra outra. Mas aqui era OSSO! Brigar e virar persona non grata numa editora que dominava 80% do mercado editorial na época, era suicídio profissional. A unica forma de escapar da opressão econômica, era o artista já ter um nome feito na praça. Mas tinha que ser “o nome”,   um nome tão poderoso que se tornava uma grife e assim, o jogo se equiparava. A revisa podia cantar de galo, mas se o cara batia o pé, perigava rolar aquela recuada da revista “vou consultar meu editor chefe. Horas depois, tocava o telefone. E eles vinham com o jogo do…

Olha, eu consultei o patrão aqui e como somos parceiros, gostamos muito de você e coisa e tal, vamos quebrar o “seu” galho, e bla, bla bla… Vamos pagar o que você pediu, mas você passa os diretos totais das artes para nós para sempre e…

Era isso. As coisas eram assim muito em parte por culpa do mercado que era ABSOLUTAMENTE predatório e prostituído. As publicações tiravam proveito disso, forçando ainda mais o artista a “baixar as calças” para poder subsistir. Era burrice, a pura e cristalina burrice. Ao pagar mal o artista, a revista estava de olho no lucro imediato a qualquer custo. Ferrar seu fornecedor é uma PÉSSIMA ideia sempre, porque querendo ou não, amanhã você vai precisar dele. Sabendo que a revista pagava mal, o que os artistas faziam? Se você tomava no roskoff na primeira vez, na segunda vc tirava o prejuízo.

Claro, reduziam a qualidade. Um trabalho que levaria 40 horas para ser feito, passava a ser “solucionado” da “maneira que desse” para “encaixar” no budget. Isso resultou na queda da qualidade das artes. Mas só que o assinante não estava vendo aquilo como um problema do artista, mas como um problema da REVISTA. O assinante percebia a queda na qualidade e sentia que estava investindo uma mesma soma em algo inferior. Alguns reclamavam, outros, em silêncio, tenebroso e cruel silêncio, simplesmente deixavam de assinar.
O sistema era cíclico e o forçar da redução desmedida no custo do trabalho de um profissional impactava no todo, mas os burocratas imbecis muitas vezes não prestavam atenção nisso, porque isso não era um numero numa planilha, e muitas vezes o gestor não tem uma visão perfeita do ambiente.

Eu estou contando esse  lazarento momento de minha vida como ilustrador para trazer a você uma visão que se resume a algo bem simples:

VOCÊ PAGA PELO QUE VOCÊ TEM

Volta e meia,  – como eu trabalho com duas linhas de produtos, que são: Itens de linha e itens exclusivos – eu recebo pedidos de orçamento de peças exclusivas e o cliente não entende o preço. É relativamente comum ver o cliente levar um choque ao receber o orçamento:  – Como assim? Isso tudo?

Piripaque do Chaves

A razão pelo qual certos clientes quase têm um piripaque do Chaves, é que estão acostumados com a ideia de que o preço de um item é o quanto ele custa na unidade fabricada no “item de linha“.  É compreensível, porque as pessoas não são educadas para entender como as coisas funcionam. Pegunte a qualquer pessoa sobre a diferença entre ir fazer um terno num alfaiate e ir na C&A comprar um pronto.

O item comissionado é exatamente igual a um terno de alfaiate. O cliente chega com sua própria ideia do que quer, e eu eu vou materializar com base nas especificações do cliente. Ele aprova o design em três etapas, ele aprova a prova de cor, ele acompanha cada etapa da criação. Toda essa atenção e dedicação a esse único cliente se reduz a um valor de custo de insumos + valor do Homem/Hora dedicado ao trabalho para este cliente. Esse único cara que existe sob o sol. Mais ninguém.

É importante deixar esse aspecto bem claro aqui: Quando eu estou alocando meu tempo no trabalho de um cliente, ele está me pagando pelo meu tempo e por isso não estarei ganhando dinheiro de outro cliente. É caro? É! E muitas vezes demora.

Já num item de linha, é como um teno da C&A. Não quer dizer que seja feio ou mal feito. Um terno da C&A pode ser um belo teno, com material de primeira, mas ele SEMPRE vai se mais barato que o trabalho do alfaiate, porque simplesmente o terno não é feito sob medida. Ele é um entre dezenas de milhares iguais, fabricados por maquinas, com máquinas, muitas vezes cortados por computador e montados em linhas de produção.  Assim, seu valor X de Homem/hora será diluído sobre o volume da “TIRAGEM”.

Não obstante a isso, muitos clientes aparecem com uma métrica na cabeça, um valor que ele construiu olhando produtos fabricados na China aos milhões, e em sua suprema inocência, acredita que eu vou cobrar igual à aquilo ali.

É dessa maneira que poderíamos ilustrar um cliente que acredita que deve receber um valor de item de linha por item comissionado com um cara que quer comer lagosta no Fasano mas espera que vai pagar o valor do Big Mac.  Não vai.  Como dizia padre Quevedo, “Esso non Ecziste!”

Acredite se quiser, isso não é um Big Mac!

As soluções

Uma vez que você sabe que alhos não são bugalhos, é preciso pensar em como equacionar o problema. Uma maneira de reduzir o custo, é reduzir o ESCOPO DO PROJETO.

“Ah, mas eu quero o navio Perola Negra do Piratas do caribe com um metro de comprimento, com todo o encordoamento, todo de madeira, com luz led, canhões, acabamento, e tudo mais… E só posso pagar R$ 800!”

Reduzir o escopo do projeto nesse caso, é ter o navio com a metade do tamanho, todo em plástico, sem encordoamento, sem luz de led, e numa base simples.

Mas existem outras maneiras de baixar o custo. Uma dessas maneiras, que é a minha preferida, é tornar seu item exclusivo num item não-exclusivo. Vamos a um exemplo prático:

Uma coisa é fazer um cubo do Hellraiser. Vamos dizer que esse cubo custe 600 reais para produzir. É caro. Mas suponha que você consiga convencer seis amigos seus que seria show ter um desses cada. Eles acham a ideia boa e então, o custo de fazer 6 configurações do lamento (esse é o nome da caixa) não será 600 X 6 mas muito menos, porque aqui já estamos diluindo o custo na tiragem. Dilui pouco, porque é pouca gente, mas o que antes era 600 agora está por 450 reais na unidade. É um sistema que funciona bem para ALGUMAS PEÇAS.

Imagina que maluquice pegar SEIS navios Pérola negra de um metro pra fazer? É um ANO de trabalho. Daí não compensa pra mim, porque nesse tempo agarrado num projeto só eu poderia criar dezenas, talvez até centenas de itens e ganho muito mais. Então essa redução/ recomposição de pequena tiragem não funciona para tudo, porque eu recebo pedidos muito exclusivos MESMO.

Como algumas pessoas sabem, até no VATICANO eu tenho um cliente argentino. Eu tenho cliente de todo tipo e em muitos trabalhos eu tenho contrato de sigilo e nem posso falar sobre elas, então nesse caso não tem muito pra onde correr, senão, a redução do escopo do projeto e revisão do trabalho total para que se possa encaixar na janela de custo de desenvolvimento.

A maioria do meu trabalho toma um tempo danado, eu fico igual um maluco até conseguir fazer as coisas, muitos itens envolvem desenvolvimento de ferramentas exclusivas para a criação deles, maquinário importado, compra de material caro, e eu ainda não sei fazer milagres.

É por isso que eu digo, PENSE BEM, reflita com cuidado se você realmente quer o item que vai me encomendar. E uma vez que encomendou, tenha certeza que ficará satisfeito, porque moverei céus e terras para te atender e viabilizar seus sonhos, mas não se iluda que vou cobrar um Big Mac por lagosta.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *